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20 de abril de 2020

Sentindo a pressão da “operação presença” e fazendo de tudo para deixar ainda mais evidente a relevância do escritório para o cliente em tempos desafiadores, sob pena de o escritório ser considerado um custo a ser cortado? Preocupada com a saúde e o moral do time? Ah, e o homeschooling? Se você não presta atenção às aulas do seu filho, como ajuda-lo a fazer as atividades? De uma hora para outra você também precisou voltar a estudar com seu filho?

Medo de não dar conta?

Esta se sentindo exausta?

Se você se identificou com uma dessas situações acima, só quero lhe pedir que fique tranquila. Você não está sozinha.

As situações acima apresentadas em formato de perguntas, foram extraídas de relatos de mulheres excepcionais que, além de profissionais ilibadas, são mães, esposas, filhas, amigas…

Mulheres inspiradoras. Pessoas admiráveis, dedicadas e comprometidas os múltiplos papéis nos quais atuam. E, que assim como você, estão diante de um desafio nunca antes enfrentado. Desafio este que, caso não abram os olhos, pode induzi-las a um terrível equívoco: o de questionar a própria competência face ao colapso de papéis e aliado a uma  expectativa irreal de desempenho e produtividade.

O home office e o colapso de papéis

Embora o home office já fizesse parte da vida de muitas advogadas,  era realizado em outro patamar, fruto de escolha pessoal e  não impunha restrições a liberdade. Agora, a escolha deu lugar á necessidade. E, os múltiplos papéis nos quais atuava, eram desempenhados em ambientes físico e psicossociais distintos.  Certamente a separação entre casa e trabalho tendia a favorecer significativamente o foco e o desempenho em cada um dos papéis, desempenhados em espaço e tempo aparentemente “organizados”.

Agora, ela é mãe, esposa, dona de casa, professora (isso só para citar alguns poucos papéis que me ocorrem agora) e ainda nada de deixar a peteca cair! Precisa ser profissional de alta produtividade. Os papéis são desempenhados de forma simultânea no ambiente doméstico, nem sempre devidamente preparado, para receber a atividade profissional.

E, o  desempenho de todos os papeis de forma simultânea, parece ser incompatível com as expectativas auto impostas de desempenho e produtividade, promovendo a sensação de que nada está sendo satisfatoriamente entregue.  E essa mulher admirável passa a experimentar o amargo sabor do colapso de papéis.

Mas, a vida continua…

Mas, “nada de reclamar”, ela pensa! Respire fundo que a vida tem que continuar…O trabalho precisa prosseguir. Os clientes estão demandando mais do que antes. As respostas às dúvidas nem sempre estão disponíveis ao repertório imediato. E as Inúmeras MPs saindo e   ela sentindo mais do que nunca que precisa estar tecnicamente atualizada para amparar clientes.  

Nós sabemos o quanto o exercício das atividades na área do Direito, mais do que nunca, requer acuidade e atenção. Você advogada, em home office, nem sempre dispõe do conforto acústico necessário para a sua concentração e produtividade.

E, você, mais do que ninguém, se cobra para acertar. A responsabilidade informa que, a menor falta de atenção ou menor deslize, pode acarretar falta grave que coloca em risco a ação do cliente, a sua imagem e reputação profissional e a credibilidade do escritório.

E ai, fica cada vez mais difícil afastar o pensamento sobre o desafio de estar presente no papel profissional, quando experimenta uma forte culpa por não atender aos elevados critérios de presença junto à família. E quantas se pergunta  “o que há de errado comigo que eu não consigo mais produzir?” É a sensação da perda do domínio da situação. De não atender bem nem a família, nem ao papel profissional. A sensação de estar engolida pela ansiedade paralisante. E que por ser paralisante, gera ainda mais ansiedade e mais paralisia.

O impacto das mudanças não planejadas

Muito embora, conquistas significativas da vida pessoal e profissional foram,  certamente alcançadas em virtude de foco, planejamento e disciplina. E, que encontravam respaldo no real querer e força de propósito. Isso certamente deixava muito mais leve eventuais escolhas e até mesmo privações. O objetivo estava claro. Ao passo que, as mudanças experimentadas neste cenário, são mudanças não planejadas que trazem fortes incertezas e inseguranças. Abalando estruturas até então aparentemente “organizadas”. Freando radicalmente o ritmo frenético do cotidiano e a forma automática com a qual a humanidade levava a vida. Pois, quanto mais nos voltamos para as atividades diárias e para fora de nós, mas velozmente o tempo nos escapa. (MASI, 2019).

E então, sem que pudéssemos escolher, ou tivéssemos tempo para reorganizar, o mundo todo precisou se recolher e mudar drasticamente a relação social, com o trabalho, com o consumo e com os valores.

Mas saiba que a humanidade já passou por esses desafios em outros tempos.

Tempo. Em seu Novum Organum, Francis Bacon afirmou: “o tempo, como o espaço, tem desertos e solidões.” Talvez fosse para dizer que a linearidade dos acontecimentos é apenas temporária e que é preciso resignar-se a descontinuidade, transformando-a de circunstancia desagradável em oportunidade virtuosa, uma vez que a natureza não pula etapas, mas muda por evolução, enquanto a cultura troca paradigmas e muda por revolução.   MASI ( 2019, P. 14) .

É natural que toda mudança, sobretudo a não planejada, traga insegurança  incertezas,  Pois quer gostemos ou não, certamente o mundo não voltará as configurações anteriores. Contudo é importante ter em mente que “contínuos desafios convocam nossa capacidade coletiva de lidar com eles.” Senge (1999, p. 13).

Reclamar dos ventos ou ajustar as velas?

A questão, portanto, não é a inevitabilidade da mudança e sim quanto tempo levamos para desapegar de modelos, ideias, expectativas e padrões. O ponto é quanto tempo permanecemos refratários reagindo a partir de scripts de roteiros e enredos que já não estão mais em cartaz.

Estamos diante do convite de abrir mão do efeito de comparação com a vida que tínhamos e os resultados que atingíamos antes de tudo acontecer. Quando focamos a mente no tínhamos antes e, já não temos mais, estamos deslocados da realidade, do aqui e agora. Pois nem mais temos o que nos nutre a nostalgia e, tampouco assumimos as rédeas e utilizamos de modo eficaz os recursos dos quais dispomos no hoje. E isso me remete ao notável   William George Ward, teólogo inglês, que afirmava que “o pessimista se queixa do vento, o  otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas’.  Entendo que, quanto mais cedo aceitarmos as mudanças, mais cedo conseguiremos readequar as “velas” e continuar navegando.

Vulnerabilidade sim, fraqueza não

Diante do cenário apresentado, tenho me deparado com mulheres questionando a própria capacidade, a medida que potencializam a sensação de imperfeição. Cadê aquela mãe delicada e carinhosa que agora não consegue controlar a irritação diante dos filhos? Onde foi parar aquela profissional competente e produtiva?  O perigo está em alimentar determinados diálogos internos que conduzem a inferência negativa e resultam em uma confusão entre vulnerabilidade e fraqueza.

Sim, por mais realizadoras e inspiradoras que sejamos, somos perfeitamente imperfeitas.

E acredite, esta sim tudo certo! Todo ser humano tem sim o direito de “não dar conta”. O ponto não é a questão de não conseguir manter “todos os pratos girando no ar ao mesmo tempo”. O ponto é o imperativo da perfeição. Temos a dificuldade de acolher a nossa perfeita imperfeição.

E o que é perfeição? Perfeição é aquilo que é feito até o fim. E, se nossa vida é uma obra de arte em constante construção, como podemos ser perfeitos? Brené Brown, entusiasta pesquisadora do comportamento humano afirma:

A principal razão para queremos ser perfeitos é para evitarmos sermos criticados, julgados e culpados. Perfeccionismo é um mecanismo de defesa, nada mais. É um escudo de 20 toneladas que colocamos para parecermos fortes, para que ninguém nos machuque. Mas, na verdade, ele impede que sejamos vistos na essência. Em nosso estudo de sete anos sobre vulnerabilidade, descobrimos que a maior barreira à coragem não é o medo e, sim, essa armadura que vestimos para não encararmos nossa vulnerabilidade. (https://revistatrip.uol.com.br/tpm/brene-brown-do-ted-o-poder-da-vulnerabilidade-fala-da-importancia-de-se-reconhecer-imperfeito)

E é neste momento que a vulnerabilidade, por mais estranho que possa parecer, vem ao encontro das características dessas mulheres corajosas. Pois a coragem é fruto de quatro conjuntos de habilidades: lidar com a vulnerabilidade, viver nossos valores, ter confiança e aprender a crescer.

Então, que tal experimentar um olhar diferente?

1. Re- pensar a régua auto imposta do desempenho

É sabido que, a maioria dos mortais, que se se disponha a treinar, com disciplina, técnica, treino e tempo pode sim, participar de uma maratona e correr 42 quilômetros em quatro horas, quatro horas e meia. Agora,  imagine correr a mesma maratona sob tempestade de área, sem agua, descalço, tendo que cuidar o bem estar do grupo, e ainda manter a mesma marca de tempo?  Me parece que alguma coisa impede a conta de fechar. Portanto, o convite é refletir  e estabelecer critérios de produtividade compatíveis com o cenário, mesmo que isso signifique baixar – temporariamente – a régua do volume de suas entregas.

2. Re-significar acontecimentos e frustrações

“A humanidade sempre procurou o significado das coisas. Significado é uma representação mental. O significado de qualquer acontecimento depende da moldura que colocamos ao seu redor. Quando mudamos essa moldura mudamos também o significado.   E, quando o significado muda as reações e comportamentos também mudam. A capacidade de dar um novo significado a um acontecimento oferece maior liberdade de escolha.

Como você pode ressignificar este momento? Quais aprendizados você tem experimentado? De que forma o que ocorre pode se transformar em competências? Como essas competências favorecem o seu desempenho nos múltiplos papeis?  Ao ressignificar você altera não apenas o seu filtro mental, responsável por realizar uma releitura dos acontecimentos a luz de outra perspectiva, o que permite compreender a experiência ou evento de forma diferente, a luz de novo significado. Mas também muda o estado emocional, que impacta fortemente nesta leitura e por consequência no comportamento.

Observe com atenção e amorosidade quantas competências você está desenvolvendo ou fortalecendo. Já parou para pensar o quanto elas podem moldar ainda mais o seu poder pessoal?

Experimente mudar o ângulo que você utiliza para se auto avaliar e perceba quantas habilidades você tem desenvolvido neste período. A teoria da Gestalt nos ensina que quando mudamos o ponto de vista, mudamos também a vista do ponto. Experimente ressignifica suas experiências.

Agir no agora

A miséria pede companhia. É uma frase da filosofia tolteca que nos alerta sobre o perigo de nos alimentarmos do caos e de noticias que nada trazem além de miséria, morte e escassez. Enquanto mantivermos o foco voltado para esses temas é justamente o que veremos. É hora de mudar a pergunta para “ diante do cenário o que é possível fazer?”; “ o que está em minhas mãos?”.

É inteligente neste comento concentrarmos nossos talentos naquilo que podemos mudar ao invés de nos desvitalizarmos com o que está fora de nosso âmbito de domínio.  Mudar a pergunta vai certamente estimular o cérebro atuar no campo das possibilidades, do movimento, da contribuição.  Se por um lado estamos cercados pela tragédia e pela incerteza, não me lembro de ter visto tantos movimentos de solidariedade como agora. Agir no agora requer acolher a nova realidade. Pois quanto mais cedo a acolhermos e a aceitarmos mais rapidamente identificamos estratégias e oportunidades.

E para encerrar, desejo a você muita inspiração, fortaleza e flexibilidade, na certeza de que tudo isso também vai passar… e que de pois de um tempo…

“Depois de um tempo você aprende a sutil diferença entre  segurar uma mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se  e companhia não quer sempre dizer segurança. E você começa a aprender  que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E você começa a aceitar suas derrotas com sua cabeça erguida e seus olhos adiante  com a graça de mulher, não a tristeza de uma criança. E  você aprende a construir todas as estradas hoje porque o terreno de amanhã é demasiado incerto para planos. E futuros têm o hábito de cair no meio do voo . Depois de um tempo você aprende que até mesmo a luz do sol queima se você a tiver demais. E então você planta seu próprio jardim  e enfeita sua própria alma ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.   E você aprende que você realmente pode resistir … você realmente é forte, você realmente tem valor.
E você aprende …e você aprende” 
Veronica Shoffstall

Referências

BROWN, B. A arte de ser imperfeito. (https://revistatrip.uol.com.br/tpm/brene-brown-do-ted-o-poder-da-vulnerabilidade-fala-da-importancia-de-se-reconhecer-imperfeito
SENGE, P. A quinta disciplina: arte e prática da organização que aprende. São Paulo : Best Seller,1999
MASI, D. D. Uma simples revolução: trabalho, ócio e criatividade, novos rumos para uma sociedade. Rio de Janeiro: sextante, 2019.
SHOFFSTALL, V. Depois de um tempo. https://www.pensador.com/autor/veronica_shoffstall/
Sobre a autora

Erika Lotz é mentora de Capital Humano na Éos. Trainer em Psicologia Positiva pela European Positive Psychology Academy. É docente em programas de graduação e MBAs nas áreas de Gestão de Pessoas e Coaching.

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